Editorial

A atuação persistente do psicólogo em época de pandemia


 

 

Os estudos científicos abordam a COVID-19 em uma tentativa audaz de identificar a origem, os sintomas, a cura. Os avanços e as descobertas da ciência em muito nos acalmam e tranquilizam. Isso ecoa em nós com uma certa promessa de voltarmos a nossa vida “normal”. Sem dúvida, a gratidão com relação aos pesquisadores, aos profissionais de saúde, aos motoboys, aos fiscais do governo, dentre outros é imensa e inesgotável. Os profissionais da comunicação também são incansáveis nas informações sobre o comportamento do novo-corona vírus a nós encaminhadas de modo numérico por meio de percentuais, gráficos e estimativas. Informações essas que nos orientam acerca do que podemos fazer ou não. Muitas vezes, esses profissionais, na ânsia de passar a notícia, descuidados com aquilo que nos dizem, acabam muito mais nos afligindo do que tranquilizando.

Para além do que nos dizem os cientistas e os jornalistas, podemos entender na sua totalidade o modo de acontecer de uma pandemia ou uma epidemia, ou ainda, como diziam os antigos a peste. Albert Camus (1947/1997) em A peste relata uma epidemia, oriunda das pulgas dos ratos, ocorrida na cidade de Oran, que ele descreve como “[...] uma cidade comum e não passa de uma prefeitura francesa na costa argelina” (p.9). O escritor argelino nos mostra todo o percurso do homem na medida em que ele passa por todas as etapas de uma epidemia, desde a negação da situação até a total indiferença e apatia frente ao mal que fica cada vez mais próximo. O anuncio da finitude se torna a cada dia mais retumbante, o caráter de imprevisibilidade toma, pouco a pouco, a todos desde o padre até o médico. O padre, que a princípio tem fé em Deus e defende que a praga veio para extirpar os pecadores, acaba por assentir que a doença é democrática e atinge a todos independente da fé em um Deus que protege seus fiéis. O médico, que deposita a sua fé nas novas descobertas da ciência, e ao perder seu filho passa a desconfiar dos avanços científicos. O político que, a princípio, apenas se ocupa com o quanto a peste pode abalar sua popularidade, no final se preocupa com a sua vida e dos seus familiares.

Camus (1997) nos conta como o padre, o médico e o povo permanecem distraídos com as suas crenças, enquanto isso a doença se alastra ininterruptamente. Nesse alastrar-se, sem pausa, não é mais possível que esqueçamos dela, por mais que nos esforcemos. A situação se torna mais impactante no momento em que a mídia por muitos meios de comunicação nos lembra a todo momento o número de mortos e de infectados. Gabriel García Márquez (1985) em Amor em tempos de cólera, avisa, no seu romance, que com certeza outras pestes virão. Camus e García Márquez não deixam dúvidas, as pestes, epidemias e pandemias acontecerão a revelia de toda a luta do homem em acabar com as suas fraquezas e vulnerabilidades.

E a Psicologia o que tem a dizer e a oferecer? A psicologia não só se vale do que diz a ciência, o jornalismo e a literatura. Embora esteja atento ao que dizem todas essas áreas do saber. Não há dúvida que os psicólogos se disponibilizaram a acompanhar aqueles que se encontram aterrorizados com o anúncio do possível adoecer, padecer e morrer. Essa ajuda acontece por meio de grupos de ajuda, manuais e atendimentos clínicos. Mas a tarefa do psicólogo ainda não acabou, ao contrário, ela se intensifica a cada dia.

Se mais de 200 mil pessoas morreram vítimas da pandemia, temos pelo menos o triplo de pessoas enlutadas. Essas pessoas se encontram em uma situação totalmente inusitada. Elas não podem acompanhar seus entes queridos nos seus leitos de morte. E depois não podem fazer o ritual de passagem junto aos amigos e outros familiares. Se o luto já traz sentimentos de solidão, no caso da pandemia em questão, isso se agrava. Esses enlutados estão totalmente sós em sua dor. Nós, psicólogos, mesmo que na mesma dor daquele que teme ou sofre pela perda de um ente próximo, permanecemos junto aos enlutados, cuidando de suas dores. Eis a grande tarefa de ser psicólogo que sabe junto à literatura que outras dores e pandemias virão, mas que não se assusta, aguarda, para que no momento em que se fizer necessário, estará a postos!

 

 

 

Ana María López Calvo de Feijoo

Río de Janeiro, Brasil